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Bruna Moreira, uma história de luta e superação

De catadora de recicláveis à escritora, mulher cidadã

05/04/2024

por BRUNO AURÉLIO, apresentador do Papo das N9ve

Só para começar

No ano de 1956 o jornalista Audálio Dantas cobria uma matéria de jornal na favela do Canindé. Lá ele descobriu uma mulher negra, catadora de reciclados, mãe, e que relatava em alguns caderninhos os seus dias e o de seus amigos de triste jornada.

O jornalista ao ler aqueles papeis encardidos viu que escritor nenhum poderia relatar aquela história: sobre a vida de uma favelada.  

Dantas talvez nem imaginasse que aqueles caderninhos escritos por aquela mulher negra da periferia viessem a se tornar um clássico da literatura brasileira. Estou falando de Quarto de despejo: diário de uma favelada, de Carolina Maria de Jesus.

Histórias como a da negra Carolina se repetem por aí. Não com sua poesia. Isso jamais! Mas sim vidas que carregam na literatura e nas matérias de jornal, vindas das periferias, dos espaços rurais e dos grandes centros urbanos o sentimento sobre ser mulher.

Assim como Carolina Maria de Jesus, será existem outras por aí?

Sim! Existem. Nossa entrevistada Bruna é uma delas.  

A catadora que emociona

No primeiro episódio do Papo das Nove (27/03) tivemos o prazer de conversar com Bruna Leandra Moreira Ramos, essa mulher negra e catadora de reciclados que emocionou a todos os nossos espectadores com sua leitura política da vida social e sua história de superação.

Quem é a Bruna, essa mulher guerreira que está colocando sua voz no mundo?

De modo geral, assim podemos caracterizar a Bruna: uma mulher que está se realizando. É mãe, venceu as drogas e hoje possui forte leitura política sobre sua realidade social. Não por acaso, ela recebeu uma homenagem de Mulher Cidadã. Um exemplo de superação para as mulheres (e homens) que vivem a mesma condição que ela.

Bruna é uma ex-dependente química. Venceu as drogas através do assistencialismo dos agentes do CRAS (Centro de Referência Assistencial), CAPS (Centro de Apoio Psicossocial) e outras instituições públicas como os postos de saúde e conselho tutelar.

Perguntei para a Bruna o que ela gostaria de dizer para as mulheres que sofrem ou sofreram a mesma condição que ela com a dependência química e o uso de drogas. A nossa entrevistada se emocionou:

Que se amem. Que não desistam de vocês. Vocês são muito importantes, vocês são maravilhosas. Não desistam da vida... Vocês conseguem!

A entrevistada também falou sobre a superação das drogas. Sobre a vida sem a dependência química:

Você pode ter uma família. Você pode voltar a estudar. Dar a volta por cima e viver com dignidade. Ser alguém de novo! Eu venci. Vencer é possível. Você pode vencer também!

Atualmente Bruna é mãe do Davi e casada com Gilson. Tem sua casa própria, e é claro, Bruna é catadora de reciclados. Cumpre diariamente uma rotina cheia de afazeres. Leva o filho na creche, cata reciclados, faz almoço, limpa a casa, frequenta o CRAS, a incubadora social e vai à igreja. Bruna disse que escreve a noite e estuda no cursinho do Levante Popular da Juventude: um movimento social de jovens criado pela Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO) cuja visão é preparar os jovens e adultos que irão participar do ENCCEJA a obter o diploma de ensino fundamental e médio. Bruna quer terminar os estudos e ingressar no curso de Serviço Social da universidade e reivindicar os direitos da sua classe trabalhadora. Ela nos contou sobre a importância social e ecológica da catação:

Os catadores são pessoas que fazem muito bem para a sustentabilidade. Para a população em geral. [...] Imagine se não tivesse o trabalho dos catadores: a frota de caminhão ia dobrar! Não ia haver separação. O que é lixo para algumas pessoas é a fonte de renda para outras. [...] um lixo que não é lixo. Um “lixo” que vai salvar os rios, que vai deixar limpo as ruas e a cidade. Vai evitar que junte dengue. [...] É um trabalho tão importante, mas que não tem reconhecimento.

 

Ela também falou sobre a realidade social dos catadores:

As famílias catadoras de reciclados são pessoas carentes. São mães, são pais de família que precisam dar alimento para os seus filhos. Geralmente são pessoas que assim como eu não terminaram os estudos. São às vezes senhores e senhoras: pessoas idosas que nunca trabalharam com carteira assinada. São analfabetos. [...] A população precisa olhar com mais respeito e consideração para esses trabalhadores. Eles não estão fazendo bem somente para si, mas para a população em geral.

O futuro e alguns sonhos que estão no papel

Seu principal sonho Bruna já realizou que é ter uma família, casar no papel, ter a casa própria e amamentar seu filho; estar junto com ele. Seus próximos sonhos são: tornar-se uma profissional da assistência social e ajudar as pessoas da mesma forma que esses profissionais lhe ajudaram. O sonho de escrever um livro, Bruna já está concretizando junto à incubadora social. Bruna nos contou outro sonho, que é viajar de avião para a praia de Copacabana.

Para finalizar

Bruna é uma mulher que venceu as drogas e continua ativamente lutando para a vida na base, e compreende a desigualdade social, a importância do seu trabalho e a luta pelos direitos dos catadores de reciclados e das vidas periféricas que por muitas vezes são negligenciadas e esquecidas pelo Estado e pela esfera do poder público. Bruna trouxe consigo no Papo das Nove não a sua voz somente, mas a voz de todas as vidas periféricas: as pessoas de diferentes gêneros, os dependentes químicos, os velhinhos que vivem nos asilos, as pessoas que moram nas ruas, as mães que não conseguem comprar comida para os filhos, e também os doentes. 

Quero dar um nome para o episódio de estréia do Papo das Nove. Esse episódio se chama, “Não desista dos seus sonhos”, também “Seus sonhos são possíveis”, ou ainda “Acreditem no impossível, pois o impossível é possível”, conforme as palavras da nossa entrevistada.

Existem outras Carolinas por aí?

Sim! Elas existem. Mas agora queremos ver outras Brunas se realizando com seus sonhos e colocando sua voz para todo o mundo ouvir.

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